Por muitos anos, o setor de call center figurou entre os maiores empregadores do país. Além da alta demanda, o elevado índice do turn over inevitavelmente fez parte foi uma característica intrínseca deste mercado nas últimas décadas.
De acordo com dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho, este panorama mudou. Em vez de aumentar o número de vagas, a área de teleatendimento fechou 35.583 empregos de carteira assinada em 2022.
A tendência de reduzir empregos na área não é uma novidade: desde 2015 o salto de contratações foi negativo, exceto nos anos de 2020 e 2021, como consequência da pandemia.
E uma das principais explicações para esta redução foi a principal mudança e tendência que vigora no mercado: a digitalização das operações e do atendimento. Na cobrança, não dá outra: a moda agora é o phygital, modelo de negócio e de operação que veio para ficar, em que os mundos digital e físico se unem.
Segundo a executiva de Cobrança Natália Fernandes, a jornada digital de atendimento está tão avançada que, muitas vezes, o cliente consegue resolver suas demandas por meio do auto-atendimento e, se a experiência for por meio de bots, o cliente sequer percebe. Assim, o ideal é que o atendimento com humanos seja voltado para resolver questões mais complexas.
“Se de fato tem um humano ali entendendo e resolvendo o problema do cliente, geramos maior aderência, maior conexão e profundidade emocional entre o cliente e a marca. Então, o phygital é a grande sacada do momento até que conquistemos uma evolução maior dos modelos preditivos”, pontua Natália.
Mas mesmo no momento de maior avanço nos modelos preditivos, o atendimento humano continuará sendo necessário, uma vez que os produtos e demandas do cliente também evoluem.
Desafios
De fato, a cobrança teve grandes saltos de evolução tecnológica nos últimos anos. Enquanto executivos reclamavam da dificuldade em conseguir o “alô” do cliente em chamadas telefônicas, operação que exigia até 12 tentativas, hoje é possível encontrar o cliente pelo WhatsApp. Neste canal, aliás, o devedor consegue resolver uma série de ações simples, como emitir a segunda via do boleto apenas falando com um bot.
No entanto, uma necessidade apontada pelos líderes da indústria de Crédito e Cobrança que segue sem solução é a integração da multicanalidade. “Acredito que estamos, na verdade, aprendendo a ser cognitivos. Canais que antes eram separados acho que hoje continuam sendo um dos grandes desafios da cobrança, porque cada um deles ainda oferece jornadas completamente distintas. O cliente precisa ter mais acessibilidade e nós precisamos que esses canais estejam todos em uma mesma linha, que a jornada seja uma continuidade”, observa Nádia Lanny Lopes, diretora de Cobrança da Provu.
Natália Fernandes concorda com a diretora de Cobrança da Provu. Além de defender uma quantidade de ligações razoável para fechar acordos, ela também aposta na continuidade do atendimento para que os cobradores “não cometam o crime de começar a renegociação do zero de novo”. Estas seriam as formas de melhorar a qualidade do atendimento e, consequentemente, a chance de recuperar mais crédito.
Prefixo
Como se já não bastassem os desafios característicos da recuperação de crédito, em que mais 70 milhões de pessoas continuam inadimplentes, os líderes de recuperação de crédito terão de enfrentar mais outro grande desafio: o prefixo.
Em novembro de 2022, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) determinou que as ligações de cobrança devem exibir o prefixo 0304, a fim de facilitar a identificação do consumidor. A novidade deveria estar em vigor desde setembro, mas segue sem data efetiva para o início das operações.
Ainda assim, se ser phygital era apenas uma tendência, agora ela é uma necessidade para empresas que almejam se manter no mercado. E as velhas máximas da cobrança, como a ideia de que “quem cobra primeiro recebe primeiro”.
Proximidade
Segundo Rafael Russo, head de Cobrança da Claro, o phygital traz uma importante comodidade que é a abundância de dados, fazendo com que seja possível criar novos modelos de concessão de crédito e cobrança, uma vez que o uso de dados torna possível identificar a probabilidade de pagamento dos clientes.
“Precisamos saber também a resposta de uma segunda pergunta: qual é o cliente que vai me pagar caso eu dê a ele uma flexibilidade [de crédito]. Ao separar esses clientes, teremos uma questão de fidelização. Acho que uma coisa que ainda não fazemos bem e aprendendo um pouco durante a pandemia foi trazer esse engajamento para o cliente depois de recuperação nosso pós-venda na recuperação. O mercado tem muita oportunidade e está buscando o cara que pagou [as dívidas]”, defende Russo.
Mesmo assim, a cobrança física não deixou de trazer importantes dados. “Quando você fica só no digital, acaba perdendo a riqueza de informações que você pode capturar no momento que você tá dialogando com o seu cliente”, afirma Nádia Lopes, da Provu.