Reflexões sobre risco e recompensa

“Tome riscos. Se vencer, será feliz. Se perder, sábio” Provérbio chinês

Caminhando para completar três décadas no mundo de crédito ao consumidor, seja no lado de crédito, de produto, em instituições financeiras, fornecedor de serviços ou como empreendedor, aprendi a visualizar os desafios do cotidiano pela ótica do risco e recompensa, seus excessos ou sua escassez.

O fato é que ambos andam sempre juntos. Dificilmente enxergaremos casos de grande sucesso onde muito não foi colocado a perder. Analogamente, vitórias tímidas, geralmente, vêm acompanhadas de pouca exposição a risco. Não há, nesse caso, a postura ‘certa ou errada’, mas diferentes ambições e ‘apetites de risco’ nas tomadas de decisão.

É certo também que esse nível de apetite é relativo, depende de quanto do seu patrimônio (seja financeiro, reputacional, credibilidade, etc) estará exposto. À medida que você acumula o que está sob risco, mais confotável é sua situação, pois o que usualmente pode ser considerado alta exposição, não passa de uma fração do todo. Por isso, grandes incumbentes têm vantagem sobre desafiadores, em qualquer indústria, uma vez que eles adquiriram esse ‘patrimônio’ ao longo do tempo e podem se dar ao luxo de errar com mais frequência, sem colocar muito a perder.

Por outro lado, a psicologia também ensina que em várias ocasiões o medo de perder se sobrepõe à vontade de ganhar, então à medida que você acumula o que pode ser exposto ao risco, torna-se mais conservador em suas decisões, por isso é mais difícil observar movimentos transformadores (e consequentemente, de maior risco) nas grandes corporações.

A compreensão desse fenômento pode ser utilizada para entender o movimento decorrente da digitalização dos serviços financeiros. Nos últimos anos, uma leva de ‘fintech’s passou a ocupar espaços outrora vazios e mais arriscados, oferecendo acesso a crédito e meios de pagamentos a segmentos da população antes negligenciados pelos grandes incumbentes. Aqui prevalece a lógica descrita acima, quanto mais próximo do topo da pirâmide social (com risco mais baixo) mais ampla a oferta das Instuições Financeiras tradicionais; aos novos entrantes restou a difícil missão de explorar mares antes nunca navegados. O tempo se encarregará de definir os vencedores nesse novo cenário.

Se o conceito de risco e recompensa nos ajuda a entender os movimentos de mercado, um ingrediente citado há pouco difculta seu entendimento nas tomadas de decisão: o tempo. Nem sempre as consequências das nossas ações são imediatas, sendo bem mais fácil sua compreensão quando causa e efeito caminham juntas. Em economia, por exemplo,  frequentemente quem colhe os louros da bonança não é a mesma pessoa que plantou a transformação, o inverso também é verdadeiro, algumas vezes um ‘desafortunado’ tem que consertar a ‘encrenca’ plantada lá atrás. Muitos não conseguem entender as relações entre risco e recompensa quando as consequências são deletérias e não aparecem de imediato.

Provavelmente esse é o elemento de maior complexidade nos negócios que envolvem crédito ao consumidor, precisa-se de tempo para medir a qualidade das nossas ações e os ciclos de leitura podem levar meses. Quem é imediatista não pode trabalhar na área, pois sofrerá com crises de ansiedade ou tomará conclusões equivocadas que alimentarão decisões ruins.

Dado que existe um tempo longo entre a decisão e suas consequências, em muitas ocasiões ao longo da história nos deparamos com ‘remendos’ no meio do caminho, que buscavam camuflar a desgraça iminente: as famosas pedaladas, refinanciamentos de dívida e outras ferramentas heterodoxas. Por conta disso, critérios de aferições de perda foram aperfeiçoados e as metodologias mais recentes (IFRS9), usadas nos países desenvolvidos (ainda não praticadas por todos os atores no Brasil), reservam ‘perdas’ substanciais já no momento em que o ativo de crédito é construído.

Quem é do ramo sabe a dificuldade em explicar a um leigo que do dinheiro que você emprestou ontem, uma parte já sairá do balanço como despesagem para provisionamento de perda de crédito em tempo real, com base em informações históricas estatísticas que retrocedem em até 5 anos. Não é uma vida fácil, particularmente quando comparado às áreas irmãs no crédito corporativo, cujos eventos de perda são pontuais. Toda essa complexidade é gerada pela desconexão entre a ação e sua consequência, quando risco e recompensa estão atrelados, mas separados por uma ‘janela de tempo’ capaz de confundir os desavisados.

Se, por um lado, isso aumenta a complexidade do assunto, requisitando esforço paciência e resiliência dos que o administram, por outro, cria uma vertente de negócios que exige especialização. À medida que o mercado de crédito ao consumidor foi ganhando corpo a partir da estabilização da economia, em meados dos anos 90, o segmento ganhou ‘musculatura’ e todo um ecossistema que transita ao seu redor foi gerado, hoje bastante sofisticado. Atualmente, a gestão adequada de risco (e recompensa) é o epicentro de qualquer negócio que lide com ‘crédito’.

Por ser um tema complexo e com muitas derivadas, iniciativas que pretendem disseminar o conhecimento nessa área são sempre bem-vindas, como a que se inicia hoje com essa publicação.

Vida longa e próspera ao OpenHub News.

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