
Por muito tempo, quando falamos em fraude, a imagem mais comum foi a de criminosos externos tentando invadir contas, roubar identidades ou aplicar golpes digitais. Mas e quando o fraudador está do outro lado da mesa, usando seu próprio nome, documentos verdadeiros e um histórico aparentemente legítimo? Esse é o terreno nebuloso da autofraude, também chamada de first party fraud, e seu impacto financeiro costuma ser subestimado.
Ao contrário do inadimplente clássico, o autofraudador não sofre apenas um revés financeiro, age de forma premeditada. Ele contrata empréstimos sem intenção de pagar, inflaciona sua renda para obter crédito maior, cria esquemas de falência para sumir com dívidas ou abusa de estornos e promoções. Tudo isso de maneira sutil, confundindo os sistemas de crédito e sendo facilmente confundido com um “mau pagador”.
O problema é que a autofraude escapa pelos vãos das estruturas tradicionais. Equipes de risco, fraude e cobrança muitas vezes isoladas em silos, não conseguem conectar os pontos entre o comportamento inicial de um cliente e o calote planejado que virá depois. Some-se a isso a dificuldade de provar a intenção, afinal, como diferenciar quem realmente não conseguiu pagar de quem nunca quis pagar? Assim, surge um desafio que mina silenciosamente a rentabilidade de bancos, fintechs e varejistas.
De acordo com a Serasa Experian, no primeiro trimestre de 2025, o Brasil teve quase 3,5 milhões de tentativas de fraude, um aumento de 22,9% comparado ao mesmo período de 2024. O setor de Bancos e Cartões lidera o ranking de tentativas de fraude no país, concentrando 54%. Em seguida, aparecem os setores de Serviços (31,9%), Financeiras (6,7%), Telefonia (5,7%) e Varejo (1,7%).
Para enfrentar esse inimigo invisível é necessário abandonar a ideia de que basta cruzar dados de histórico de crédito. A autofraude exige inteligência comportamental e visão integrada. É preciso observar como o cliente interage com formulários, identificar sinais sutis em dispositivos e interfaces, aplicar modelos avançados de aprendizado de máquina e, sobretudo, quebrar as barreiras entre áreas internas. Só assim será possível detectar anomalias, prever comportamentos suspeitos e agir em tempo real, antes que a perda aconteça.
Infelizmente, a autofraude não é dívida incobrável, é fraude de fato. E tratá-la como mero risco de crédito é desistir de proteger empresas e consumidores legítimos. A boa notícia é que já temos tecnologia e dados suficientes para virar esse jogo. O que falta é mudar a mentalidade e aceitar que os “bons clientes” também podem esconder custos muito mais altos do que imaginamos.
Para enfrentar a autofraude de maneira eficaz, as empresas precisam abandonar a fragmentação entre risco de crédito, fraude e cobrança, adotando uma abordagem unificada e baseada em dados. O ponto de partida é criar uma visão de 360 graus do cliente, integrando não apenas informações de bureaus de crédito, mas também dados alternativos, inteligência de dispositivos, registros de telecomunicações e históricos internos. Essa orquestração permite revelar inconsistências sutis que dificilmente apareceriam em análises isoladas.
Outro pilar fundamental é a inteligência comportamental. A forma como um cliente preenche um formulário, a velocidade de digitação, o uso de “copiar e colar”, a navegação pela interface ou até mesmo o dispositivo utilizado podem denunciar indícios de comportamento fraudulento. Combinados a impressões digitais de dispositivos e anomalias na interação do usuário, esses sinais ajudam a diferenciar o inadimplente acidental do fraudador premeditado e permitem que as empresas atuem antes que a perda aconteça.
Por fim, a tecnologia de machine learning e motores de decisão em tempo real amplia a capacidade de resposta. Esses modelos avançados não apenas detectam padrões incomuns, mas também correlacionam sinais de risco, prevendo a probabilidade de que determinado cliente nunca tenha intenção de pagar. Ao mesmo tempo, plataformas integradas permitem conectar prevenção de fraudes, análise de crédito e estratégias de cobrança, criando ciclos contínuos de feedback e adaptação. O resultado é um ecossistema financeiro mais seguro, onde empresas podem proteger-se de golpes sem comprometer a experiência de clientes legítimos.
No fim das contas, a luta contra a autofraude não é apenas uma questão de preservar receitas, mas de proteger a confiança que sustenta todo o sistema financeiro. Empresas que adotam inteligência comportamental, integração de dados e decisões em tempo real não apenas reduzem perdas, mas também constroem relacionamentos mais sólidos com clientes legítimos. Reconhecer que os “bons clientes” também podem fraudar é desconfortável, mas necessário. Só assim será possível virar o jogo e transformar a prevenção da autofraude em vantagem competitiva, garantindo um mercado mais seguro, justo e sustentável para todos.
Quer ficar por dentro de todas as informações do Open Hub News? Acesse nosso Linkedin ou assine nossa Newsletter.

