Você sabia que existe um banco especializado em casais? E outro para advogados? Para menores de 18 anos? Para trabalhadores do terceiro setor? A lista continua, pois ainda que a Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs) tenha o registro de apenas 15 bancos digitais de nicho filiados, no mercado o número de instituições financeiras especializadas em públicos segmentados não para de crescer.
Tais bancos nascem com a premissa de atender públicos que os tradicionais bancões costumam não atender, a exemplo da Conta Black, hub de produtos e serviços voltados para pessoas pretas e periféricas. Segundo dados do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), os afrodescendentes têm o pedido de crédito negado quatro vezes mais em comparação a uma pessoa branca nas mesmas condições.
“Nascemos a partir de uma entidade social, uma rede formada por empreendedores e profissionais liberais pretos e a gente começa a perceber que todos eles tinham uma dificuldade financeira de acessar crédito e ser bancarizado em alguns casos”, conta Fernanda Ribeiro, CEO da Conta Black.
Mais que incluir pessoas tradicionalmente desbancarizadas no mercado financeiro, Fernanda conta que a grande vantagem da Conta Black é conseguir olhar para as especificidades deste público e criar soluções e produtos que atendam as necessidades das pessoas. “Lançado em 2017, no ápice dos apps financeiros, a Conta Black não tinha app porque o público-alvo, em sua maioria, não tinha um celular potente para contar com mais um app. Era um home banking e o cliente acessava pelo navegador.”
Para identificar as particularidades do próprio público, os líderes da Conta Black promovem a proximidade com o cliente, relacionando-se com eles a partir de uma comunidade financeira e canais específicos de atendimento. A instituição tem ainda grupos de trabalho e pesquisa para mapear interesses. “Preciso desse olhar muito direcionado, para de fato acertar e de fato fidelizar, porque a partir do momento que eu olho e atendo as necessidades, esse cliente é meu cliente para sempre, independente do que aconteça”, continua Fernanda.
PMEs na mira
Roberto Gois, CEO da Ulend, também está à frente de uma instituição financeira especializada em um nicho, mas desta vez especializada em conceder crédito para microempresas. O executivo observa que atuar com nichos permite que os credores consigam entender até o momento da empresa para tomar melhores decisões na aprovação do crédito.
O CEO da Ulend conta que tem um cliente que é dono de farmácia e tem algumas necessidades. Ele precisava de capital de giro para comprar remédios. Hoje, ele tem cerca de mil lojas. Já em 2022, a empresa faturou R$ 2,2 bilhões. A fim de expandir a atuação da rede, ele precisa de um aporte financeiro para financiar o capital de giro.
Mas a Ulend é capaz de identificar as necessidades deste tipo de negócio, pois as unidades abertas no litoral da Bahia, por exemplo, demandam maior quantidade de pedidos de protetor solar em comparação a uma farmácia aberta na região sul.
Mas se o solicitante for um empreendedor novato e quer dinheiro emprestado, Gois é mais categórico e sabe diferenciar o crédito e modelar melhores preços. “Uma anedota: hoje, no crédito, é padrão todo mundo olha para o SCR [Sistema de Informações de Créditos] do Banco Central, e de fato é uma informação incrível. É uma informação de uma autarquia reguladora muito boa. Só que o Brasil não é para amador. O Seu Zé da quitanda não tem esse registro. Ele compra no Ceagesp toda terça e quinta. O SCR do Seu Zé não é o BC, é o Ceagesp. Beber de fontes alternativas dá trabalho. Então, também uma vantagem nossa é o nosso tamanho, que nos chancela para correr atrás de coisas que ninguém está correndo”, comenta o CEO da Ulend.
Gois critica ainda o senso comum do mercado em querer trabalhar na eficiência do banco. “Esse papo de vou trabalhar na ineficiência do bancão, o bancão não é ineficiente. O balcão é muito eficiente. Eu trabalho na letargia do banco, porque o bancão vai demorar tanto tempo para se atualizar. Aí começa o jogo ficar interessante.”
Novos atores
Para atender a população mais carente e que nunca contou com a bancarização, Fernanda Ribeiro lembra que quando a Conta Black criou um cartão de crédito pré-pago aos clientes, com o qual ele conseguiria ter acesso aos aplicativos de entrega de comida.
Então, para estar cada vez mais próxima dos clientes, ela investe em parcerias diferenciadas e tem organizações não governamentais (ONGs) como aliada na bancarização de pessoas periféricas
Roberto Góis também aposta em novos parceiros. Para o público específico de farmácias, existe uma empresa chamada IQVIA que reúne informações de vendas de todas as farmácias e indústrias farmacêuticas do País. “É um mar de informações que pode modelar um crédito em minutos com informação super incrível e online que ninguém está olhando. Com os dados, consigo olhar a concessão de crédito sob o prisma de marketing, sob o prisma de vendas, mas não de crédito. Agora a tecnologia me chancela de maneira mais fácil e estruturada.”
Investidores
Já a busca por aporte financeiro para viabilizar a operação pode ser facilitada para os bancos de nicho ou não. Enquanto para Fernanda e a Conta Black o processo foi árduo, regado de várias negativas de investimento inicial, para o CondoConta, citado por Góis, o processo foi simples. A fintech especializada em condomínios captou R$ 30 milhões em outubro e tem na Cyrela um dos grandes investidores.